Hortência Gomes da Silveira – Hospital Municipal São José, Joinville/SC

Imagens

História clínica

Paciente do sexo masculino, 33 anos, procurou atendimento médico devido a quadro de epigastralgia, astenia, emagrecimento despropositado e linfonodomegalias, progredindo em 1 mês. A tomografia computadorizada evidenciou linfonodomegalias mediastinais, peri-hepáticas e retroperitoneais, além de espessamento do cárdia e lesões pulmonares e hepáticas. Foi realizada a biópsia de um linfonodo supraclavicular e endoscopia digestiva alta. As imagens referem-se à biópsia da junção gastroesofágica.

Handout

O exame microscópico do linfonodo revelou neoplasia configurada pela proliferação em blocos, de células anaplásicas. As células neoplásicas exibiam citoplasma amplo eosinofílico e continham núcleos pleomórficos. O estudo imuno-histoquímico realizado sugeriu quadro compatível com tumor de células germinativas metastático.

No mesmo momento foi realizada endoscopia que revelou uma  lesão vegetante na transição gastroesofágica, cuja biópsia revelou neoplasia maligna pleomórfica epitelioide e predominantemente sólida, com focos glandulares. Havia extensa necrose e ocasionais células multinucleadas e bizarras. O estudo imuno-histoquímico revelou positividade para CDX-2, SATB2 na população glandular e β-hCG no componente pleomórfico. Baseado nas características microscópicas e imuno-histoquímicas, o diagnóstico desta lesão foi adenocarcinoma primário da junção gastroesofágica com desdiferenciação para coriocarcinoma metastático.

Na investigação subsequente a ultrassonografia dos testículos não revelou massas ou tumorações. O β-hCG sérico era de 33000 mUI/mL e α-fetoproteína (AFP) de 24 ng/mL.

Paciente foi submetido ao tratamento quimioterápico (QT) e os exames de controle após o quarto ciclo de QT revelaram queda do β-hCG para 145 mUI/mL e AFP normalizada. Nova TC mostrou resposta parcial, permanecendo doença linfonodal e pulmonar residual. Seguiu com QT de 2ª linha, a qual fez 2 ciclos, com normalização dos marcadores e resposta parcial adicional. Atualmente em avaliação com equipe de transplante de medula óssea para TMO autólogo.

O coriocarcinoma não gestacional é uma malignidade rara do tecido trofoblástico. Esses tumores geralmente surgem no útero ou nas gônadas, mas também foram observados em locais extragenitais, geralmente em estruturas da linha média, como retroperitônio, mediastino e glândula pineal. Ainda mais rara é sua ocorrência em órgãos parenquimatosos, como fígado, pulmões ou trato gastrointestinal. Alguns coriocarcinomas não são considerados neoplasias primárias, mas se diferenciam de outro carcinoma primário. quando isso ocorre, o local  primário mais comum é o trato gastrointestinal superior. Eles são altamente invasivos com disseminação metastática precoce. O caso relatado apresentava metástases disseminadas e o sítio primário era a junção gastroesofágica. Após breve revisão de literatura, a teoria mais aceita para o surgimento desta neoplasia é a partir de adenocarcinoma primário em desdiferenciação, ou metaplasia trofoblástica. Como observado em nosso paciente, muitas vezes há uma zona de transição entre o adenocarcinoma e o coriocarcinoma. Acredita-se que  a instabilidade genética seja responsável, pelo menos em parte, pela desdiferenciação do adenocarcinoma.

A desdiferenciação do adenocarcinoma de trato gastrointestinal para coriocarcinoma é extremamente rara, e tende a ocorrer em uma população mais jovem, levantando novamente a questão se poderia haver um componente genético subjacente ou síndrome do câncer hereditário envolvido.

Referências

  1. Boyce, Jessica et al. “Primary colon adenocarcinoma with choriocarcinoma differentiation: a case report and review of the literature.” Journal of medical case reports vol. 14,1 220. 16 Nov. 2020, doi:10.1186/s13256-020-02544-0
  2. Oh, S. K., Kim, H. W., Kang, D. H., Choi, C. W., Choi, Y. Y., Lim, H. K., … & Choi, S. Y. (2015). Primary adenocarcinoma with focal choriocarcinomatous differentiation in the sigmoid colon. The Korean Journal of Gastroenterology, 66(5), 291-296.
  3. Schrader, E., Stephens, A. J., Shroff, S., Ahmad, S., & Holloway, R. W. (2019). Widespread choriocarcinoma metastases from de-differentiated gastro-esophageal junction primary adenocarcinoma: A case report with literature review. Gynecologic oncology reports, 31, 100513. https://doi.org/10.1016/j.gore.2019.100513
Diagnóstico: Adenocarcinoma primário da junção gastroesofágica, com desdiferenciação para coriocarcinoma, metastático.
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