Rodrigo Fonseca Abreu – A.C.Camargo Cancer Center, São Paulo/SP

Imagens

História clínica

Sexo feminino, 47 anos, submetida a biópsia percutânea de lesão óssea com acometimento de partes moles, que media 7,0 x 7,0 x 6,0 cm (Figura 1). Caso recebido em consultoria para segunda opinião, tendo sido levantados em instituição externa os diagnósticos de carcinoma de células renais tipo células claras, melanoma de células claras e sarcoma de células claras.

Figura 1. A. Radiografia evidenciando lesões líticas em articulação do quadril. B. PET scan com captação anômala em articulação do quadril.

Revisão histopatológica, imuno-histoquímica e molecular

Figura 2. Fotomicrografia (H&E) A. (2x) Neoplasia com padrão de crescimento em ninhos indivualizados por septos fibrovasculares. B. (20x) Delicada trama vascular sinusoidal individualizando grupamentos de células neoplásicas. C. (40x) Células neoplásicas poligonais, bordas bem definidas, com citoplasma eosinofílico, núcleos redondos ou com “denteações” em posição central ou excêntricos, com alguns nucléolos proeminentes.

 

Figura 3. Imuno-histoquímica e FISH. A. AE1/AE3 B. PAX 8 C. TFE3 (positividade nuclear) D. FISH, sonda “dual color breakapart” para TFE3.

Tabela 1: Painel de anticorpos utilizados

Revisão do caso

A revisão de lâminas evidenciou neoplasia de células grandes poligonais, com limites bem definidos, citoplasma granular eosinofílico, núcleos redondos ou com “denteações” dispostos centralmente ou excêntricos com nucléolo proeminente. As células se dispõem em arranjo alveolar/organoide, sendo separadas por finas trabéculas e delicada trama vasculatur capilar sinusoidal revestida por uma camada de células endoteliais.

Foi realizado amplo painel de marcadores imuno-histoquímicos. Houve positividade nuclear para TFE3. Negatividade para citoqueratinas (AE1/AE3, CK7, CK20), marcadores que favoreceriam sítio primário renal (PAX 8, RCC) e sítio primário pulmonar (TTF1), marcadores melanocíticos (HMB45, S100, Melan A, SOX 10), marcadores miogênicos (desmina, miogenina) e para CD1a.

A translocação ASPSCR1::TFE3 parece ser o evento incial na patogênese do Sarcoma alveolar de partes moles (SAPM). A expressão imuno-histoquímica nuclear forte e difusa para TFE3 é essencial para o diagnóstico. Se necessário, o rearranjo do gene TFE3 ou a translocação ASPSCR1::TFE3 devem ser demonstrados através de técnicas moleculares.

Discussão

O SAPM foi descrito pela primeira vez (Christopherson et al, 1952) como um tumor com células dispostas em arranjo pseudoalveolar ou organoide em meio a numerosos e delicados septos e canais vasculares revestidos por endotélio, com tendência a invasão linfovascular. As células neoplásicas são poligonais, uniformes no tamanho e com bordas bem definidas. O citoplasma é abundante, eosinofílico, rico em glicogênio e pode ser claro e vacuolizado, podendo conter cristais romboides ou em formato de bastonete, que são PAS positivo e resistentes a diastase. Em geral, os núcleos são uniformes, redondos, localizados centralmente e contendo 1-2 nucléolos proeminentes. É importante notar, também, que podem ser observadas células de aspecto rabdoide, padrão pseudoglandular e, menos comumente, alterações císticas e mixoides. Apesar de ser um tumor de translocação, pode exibir áreas de pleomorfismo. Em crianças, o tumor pode apresentar padrão de crescimento sólido/difuso e ausência de canais vasculares.

Consistentemente, é um tumor positivo (nuclear) difusamente para TFE3, anticorpo que detecta a porção terminal carbox do fator de transcrição E3 (TFE3). Também é consistentemente positivo para Catepisina K. São dois marcadores sensíveis para SAPM, mas pouco específicos, podendo expressar em outros tumores como PEComa e tumor de células granulares. Expressão variável de desmina, actina de músculo liso e, menos comumente, S100 pode ocorrer. É consistentemente negativo para citoceratinas, EMA, PAX8, HMB-45, HepPar1, cromogranina e sinaptofisina.

SAPM é caracterizado por uma alteração cromossomial específica, der(17)t(X:17)(p11:q25), resultando na translocação ASPSCR1::TFE3. A detecção da fusão por RT-PCR possui sensibilidade superior à marcação imunohistoquímica para TFE3, devendo ser considerada especialmente nos casos de histologia ou topografia pouco usuais. ue parece ser o evento incial na patogênese. A proteína oncogênica resultante da translocação atua como um fator de transcrição aberrante e faz com que ocorra uma superexpressão do MET, um receptor tirosina quinase cuja superativação sinaliza para a angiogênese e proliferação das células tumorais.

É um tumor extremamente raro, representa <1% dos sarcomas de partes moles. Pode acometer indivíduos de todas as idades 1-78 anos (média: 25 anos). Acomete principalmente partes moles de extremidades. A localização primária óssea é incomum. Antes de considerá-la, é necessário extensa investigação clínica e radiológica. Park et al reportaram 6 casos primários ósseos, incluidos a partir do serviço de consultoria da Mayo Clinic, sendo 3 casos primário em fêmur, fíbula em 2 e ílio em 1. Quatro casos metastatizaram para pulmão ou cérebro e 1 caso veio a óbito após 3 anos de seguimento.

SAPM apresenta altas taxas de metástase, que geralmente ocorrem ≥ 10 anos após o diagnóstico e podem envolver pulmões, fígado, osso e cérebro. No entanto, sabidamente é um dos raros sarcomas que pode metastatizar a partir de um sítio primário oculto. Após a cirurgia, a recorrência local pode acontecer em 11-50% dos casos. A taxa de sobrevida global é de 82% em 2 anos e 56% em 5 anos. Muitos trabalham mostram que o prognóstico depende da apresentação inicial (localizada versus metástase), tamanho do tumor e idade. Pacientes que iniciam o quadro com doença localizada apresentam taxa de sobrevida de 71% em 5 anos, sendo 20% para pacientes que inciam o quadro com metástase.

Referências bibliográficas:

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Diagnóstico: Sarcoma alveolar de partes moles.

Diagnósticos diferenciais

  1. Metástase de carcinoma de células renais: Os carcinomas renais expressam citoqueratinas e PAX8. Importante notar que alguns tumores renais podem expressar TFE3. Sempre deve-se correlacionar os achados histopatológicos com a história clínica e investigar a existência de massa renal.
  2. Rabdomiossarcoma alveolar: Caracteristicamente, é um tumor de células pequenas, redondas e azuis, com escassas células eosinofílicas, que, quando presentes, podem ser multinucleadas. Expressa marcadores miogênicos (desmina, miogenina MyoD1).
  3. PEComa: As células tumorais possuem arranjo perivascular. Expressam marcadores melanocíticos (HMB45, Melan A) e mioides (actina de músculo liso).
  4. Paraganglioma: Pequenos ninhos de células (padrão “zellballen”), com núcleos densos e nucléolos inconspícuos. Expressam cromogranina e sinaptofisina. Podem expressar positividade nuclear para TFE3. As células sustentaculares expressam S100.
  5. Tumor de células granulares: As células não formam ninhos bem circunscritos, os limites celulares não são muito bem definidos e não apresenta a fina trama vascular encontrada no SAPM. As células tumorais expressam positividade difusa para S100.
  6. Sarcoma de células claras: Composto por células epitelioides de citoplasma eosinofílico claro, geralmente agrupadas em ninhos separados por bandas colágenas. Pode apresentar padrão alveolar de infiltração. Apresenta positividade para marcadores melanocíticos (S100, HMB-45).
  7. Carcinoma adrenocortical: A morfologia pode ser muito semelhante ao do SAPM. Geralmente o diagnóstico do carcinoma adrenocortical é feito clínica e radiologicamente. É positivo para Mart-1, inibina e sinaptofisina, que são negativos no sarcoma alveolar de partes moles.
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